Maior corretora de criptomoedas dos EUA, a Coinbase elogiou a postura do Banco Central (BC) em manter diálogo com a iniciativa privada durante a regulamentação dos criptoativos, mas cobrou uma mudança de posição em relação às moedas digitais pareadas a ativos tradicionais como o dólar, as “stablecoins”. Em entrevista ao Valor, Tom Duff Gordon, vice-presidente de políticas internacionais da Coinbase, diz que as novas regras precisam levar em consideração o potencial de melhorar o mercado de câmbio que esses ativos propiciam.
A crítica se concentrou em um ponto estabelecido pelo BC na consulta pública nº 111, que proibiu o saque de stablecoins para carteiras digitais de criptomoedas autocustodiadas pelo usuário, aquelas sem intermediação de uma instituição regulada. A preocupação do BC é conter a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro.
“Penso que o Banco Central poderia reconsiderar essa questão. Stablecoins serão fundamentais para o desenvolvimento da internet do futuro e das finanças descentralizadas, e carteiras autocustodiadas desempenham um papel essencial nesse ecossistema”, afirma Gordon. O executivo disse entender as preocupações do BC e defendeu a colaboração entre reguladores e representantes do setor para encontrar uma solução que concilie os interesses de todos os envolvidos.
“Em nossa resposta à consulta pública do BC, apresentamos argumentos sobre como esse modelo pode ser implementado de forma segura, atendendo às preocupações legítimas sobre práticas de AML (antilavagem de dinheiro) e KYC (conheça seu cliente).”
Fora do Brasil, a Coinbase tem se movimentado globalmente para garantir uma regulamentação mais favorável e que estimule a inovação no mercado de criptoativos. Em fevereiro, a plataforma enviou para os membros do Federal Reserve (BC americano) e de outros reguladores bancários uma carta pedindo para que permitam que os bancos ofereçam serviços de custódia e negociação de criptomoedas.
A comunicação vem na esteira de uma mudança radical no tratamento dado ao setor pelo governo americano. A gestão do presidente Donald Trump fez da defesa dos criptoativos uma bandeira, ao passo que o governo de Joe Biden foi marcado por processos contra empresas do setor.
“No governo anterior, tivemos uma postura difícil e antagonista entre as autoridades e a indústria”, resume Gordon. “Em vez de criar novas regras para esse setor inovador, a comissão de valores mobiliários [SEC] estava apenas aplicando multas e processando operadores por, na visão deles, operarem ilegalmente, sem dizer a ninguém o que era legal e o que não era.”
A Coinbase foi uma das empresas criptonativas processadas na Justiça pela SEC, junto com Kraken, Ripple, Binance e outras do setor. O regulador acusava a plataforma de operar de forma ilegal como bolsa de valores, corretora e câmara de compensação. Em fevereiro, a agência decidiu retirar a ação.
Fazemos custódia para 9 dos 11 ETFs de bitcoin nos EUA e para alguns dos maiores fundos hedge do mundo”
— Tom Duff Gordon
À primeira vista, defender que bancos entrem no negócio de ofertar criptomoedas pareceria um contrassenso por parte de uma empresa que se estabeleceu permitindo que usuários comprem e vendem esses ativos em sua plataforma. No entanto, há uma oportunidade clara para a plataforma na terceirização de custódia. As instituições financeiras tradicionais não têm experiência em custodiar as criptomoedas de seus clientes, um negócio arriscado e que depende de muita segurança digital para evitar ataques hackers. A Coinbase, por outro lado, opera com isso cotidianamente.
“Atualmente, fornecemos custódia para nove dos 11 ETFs [fundos negociados em bolsa] de bitcoin aprovados pela SEC nos EUA e para alguns dos maiores fundos hedge do mundo”, lembra o executivo. “Alguns bancos podem preferir desenvolver seus próprios serviços, mas para aqueles que quiserem terceirizar essa operação, acreditamos que a Coinbase está bem posicionada para ser parceira nesse setor”, acrescenta. A empresa divulgou no seu balanço do quarto trimestre que possuía US$ 220 bilhões em total de ativos sob custódia.
Em relação ao governo Trump, Gordon elogiou a gestão e disse ser provável que o projeto de regulação de stablecoins seja votado antes do recesso de verão, enquanto a lei para regulamentar o setor de maneira mais geral viria até o fim do ano. “Esse ritmo é extremamente rápido para os padrões dos EUA e reflete a priorização positiva desse tema pela Casa Branca.”
Por fim, Gordon disse não temer uma retaliação de Trump pelo fato de a Coinbase ter doado para campanhas democratas durante as últimas eleições. O apoio, segundo o executivo, foi para todos que pudessem trazer um avanço ao cenário de criptoativos independentemente do partido. O presidente americano, por outro lado, é conhecido por exigir lealdade total de todos que trabalham com ele, algo que por enquanto não impactou a plataforma. “Nosso CEO, Brian Armstrong, foi convidado a participar de um evento especial na Casa Branca há cerca de dez dias. Isso demonstra o reconhecimento de que a Coinbase é a maior empresa do setor nos EUA. Esperamos continuar contribuindo com nossa visão prática para o governo dos EUA”, concluiu.
Fonte: G1